10 de janeiro de 2011

GeproBlog entrevista o Profº Alceo Magnanini

 
Por Diana Levacov

_A Lei nº 4.771/1965 foi elaborada baseada em princípios da Engenharia Florestal e da Ecologia. O Projeto de Lei (PL) nº 1.876/1999, para a sua modificação, é baseado em algum desses princípios?
Tanto quanto se sabe, o PL não se baseou em nenhum estudo sério e não suporta uma análise técnica imparcial, independente de interesses particulares ou pessoais de um grupo dito ruralista, movidos por uma falsa noção de expansão agropecuária, onde só importa ter mais terras para aumento de áreas a ocupar, ignorando o fato de que aumento de produção deve se fundamentar em aumento de produtividade e não aumento de áreas.
_Existe algum aspecto positivo no PL, que possa ser aproveitável?
O único aspecto positivo que me ocorre é que esse PL é um excelente exemplo de como NÃO se deve fazer um PL. Os nossos legisladores só deveriam trabalhar contando previamente com alicerces técnico-científicos bem fundamentados. O estado de arte ambiental há muito ultrapassou os antigos processos agropastorís de derrubadas de árvores, queimadas, arações profundas, aplicações excessivas de adubos químicos e agrotóxicos. Alem disso, a questão florestal é apenas uma das múltiplas faces da natureza. Nada se fala sobre erosão superficial dos solos, perda de fertilidade, diminuição do poder de retenção dagua, lixiviação dos nutrientes, vida microbiana, fauna, flora em geral, biodiversidade, enfim, microclimas, perda de habitats, etc. Não é o Código Florestal que está desatualizado, mas sim o PL é que está completamente desatualizado. Carecemos, isso sim, de  procedimentos de uso e conservação para todo os recursos naturais disponíveis, todos eles e não apenas os florestais.

_Quais as possíveis conseqüências da aplicação do PL para o ambiente – inclusive as Unidades de Conservação – e para a sociedade?
Sem a menor sombra de dúvida, será um desastre total e irreversível para todos, inclusive para os descendentes dos próprios defensores do PL; a curto e médio prazos apenas alguns poucos privilegiados ocultos enriquecerão (embora hoje já sejam ricos). Estivemos mais de quinhentos anos de nossa história sendo espoliados e usurpados de nossas riquezas naturais em proveito de monarquias e oligarquias estrangeiras ou nacionais e agora trilhamos os inseguros caminhos do consumismo propagandeado  e desvairado, em plena era do desperdício de uma economia globalizante, destinada ao fracasso mundial. Se aprovado o tal PL, se terá horizontes amplos e livres para uma enorme aceleração dos processos degradatórios. Em menos de cinco anos teremos os resultados muito mais danosos do que aqueles que levamos 500 anos antes para receber.
_O Senhor chegou a ser consultado para a preparação do PL em algum momento?
Felizmente, não tive que enfrentar essa desonra, mas sempre que pude me manifestei contrário a essa infeliz "iniciativa legislativa" inteiramente desvinculada dos anseios de melhor qualidade de vida dos brasileiros.

_Caso fosse consultado, teria alguma modificação a sugerir no texto do PL?
Teria apenas sugerido aos seus idealizadores  que não ultrapassassem as suas sandálias ( "ao sapateiro, que se limite ao calçado" é apenas um ditado romano, que o nosso matuto já interpretava como "cada macaco no seu galho"). Com a invenção dos lobistas, é de se reconhecer que apareceram bandos de macacos alugados, comprados ou subvencionados aninhados em muitos galhos. 
Os Projetos de Lei deveriam se originar e se basear em criteriosos estudos técnicos, partindo das instituições e órgãos oficiais, alicerçados por teses e trabalhos acadêmicos enviados ou encomendados aos legisladores do Congresso Nacional para apreciação e não o contrário, como aconteceu. O PL nasceu de um lobby interessado em outras coisas que não o bem-estar da coletividade.

Como o Senhor avalia as alternativas inclusas na contraproposta do Ministério do Meio Ambiente (MMA)?
É apenas uma tentativa conciliatória. O MMA, caso julgue mesmo necessário modificar a Lei Florestal, deveria ser mais objetivo e intransigente. Deveria se bater pela completa rejeição do tal PL e partir para fazer o papel que lhe cabe: Preparar com base em estudos criteriosos, em todo o País, uma Lei que fosse Ambiental e não apenas florestal. Começar do ZERO, sim, e depois encaminhar o estudo global e independente de lobbies e facções ao Poder Legislativo constituido. Essa é a minha opinião de um profissional consciente de seus deveres e direitos.

Alceo Magnanini é engenheiro agrônomo e, atualmente, trabalha como consultor do diretor de Biodiversidade e Áreas Protegidas do Instituto Estadual do Ambiente - Inea/RJ. É o único sobrevivente do Grupo de Trabalho de especialistas que elaborou o "Código Florestal de 1965".


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